Veja os pontos mais relevantes do planejamento e as consequências dos ataques às sedes dos Três Poderes
R7
Eram 13h de 8 de janeiro de 2023 quando um grupo de manifestantes contrários ao resultado das eleições presidenciais de 2022 iniciou uma marcha saindo do Quartel-General do Exército em direção à Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Duas horas depois, barreiras policiais foram furadas e, na sequência, as sedes dos Três Poderes, invadidas.
O caminho até o ataque aos prédios na capital federal foi construído por meses. Principal símbolo da reconstrução do regime democrático após a ditadura militar, a Constituição brasileira serviu como ferramenta dos extremistas para sustentar uma narrativa oposta à qual foi criada. Pelas redes sociais, o artigo 142 do texto foi elencado como ferramenta para permitir uma intervenção federal, a partir da crença de que o sistema eleitoral brasileiro não era seguro.
Esta interpretação, segundo a constitucionalista Vera Chemin, é equivocada. “A ideia errada era a de que as Forças Armadas teriam que garantir a ordem, mesmo que fosse às custas do rompimento do processo democrático. A Constituição brasileira baniu do ordenamento jurídico qualquer intervenção das Forças Armadas que, sob o argumento de proteção do Estado, venha a afrontar os direitos fundamentais e a estrutura governamental do Estado de Direito, da separação de Poderes e do federalismo”, explica.
A leitura correta do artigo 142 da Carta Magna, segundo Chemin, reforça que as Forças Armadas estão subordinadas ao poder de direito e ao poder civil eleito sob o manto da democracia. “As Forças Armadas têm a obrigação constitucional de defender o Estado Democrático de Direito, sob todos os aspectos. Essa é a interpretação. Elas se subordinam aos poderes constitucionais e não, aos poderes constituídos, como acontecia durante a ditadura militar.”
Ainda assim, o combinado de fake news ganhou corpo com falas do próprio ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) questionando a lisura das urnas eletrônicas. Em reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada em julho de 2022, o ex-presidente levantou suspeitas sobre os equipamentos, sem apresentar provas, e atacou o sistema eleitoral brasileiro. Pelo fato, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu pela inelegibilidade dele até 2030, em razão de abuso de poder político.
A própria fala de Bolsonaro após ser derrotado nas urnas foi interpretada por apoiadores como aval para legitimar bloqueios em estradas, que começaram a ocorrer horas após o resultado do segundo turno, e estimular manifestações em frente a quartéis em todo o país. “Os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral”, declarou o ex-presidente, quebrando silêncio de quase dois dias depois de ser derrotado nas urnas.
Organização e acampamento
Passadas as eleições, os apoiadores de Bolsonaro realizaram atos pedindo apoio das Forças Armadas para anular as eleições de 2022. Diversos quartéis foram palco dos protestos, mas foi na capital federal que os extremistas se reuniram por mais de dois meses.
No acampamento, os manifestantes tinham acesso a refeições, banheiros, energia e abrigo. O local serviu como núcleo para difundir e organizar ideias de intervenção, com direito a arrecadação de doações.
A Polícia Civil do Distrito Federal registrou 73 ocorrências de crimes relacionados ao acampamento. Entre as ocorrências, estão supostos casos de furto, crime contra a honra, lesão corporal, danos ao patrimônio e acidente de trânsito com vítima.
Entre os casos que ocorreram fora do perímetro do acampamento, mas que constam na relação de crimes associados à formação, estão a pichação de prédios públicos na Esplanada dos Ministérios; episódio de vandalismo no centro da capital em 12 de dezembro, após a prisão do indígena José Acácio Serere Xavante; e a tentativa de explosão de um caminhão-tanque em frente ao Aeroporto Internacional de Brasília.
“A centralidade fica clara e evidente porque todos os atos de vandalismo tiveram organização, planejamento e ponto de apoio no acampamento”, afirmou o então interventor federal na segurança pública do DF, Ricardo Cappelli.
Quando a formação parecia se dissolver espontaneamente, convocações pelas redes sociais começaram a fortalecer o movimento que culminou nos atos extremistas de 8 de janeiro. Dois dias antes, a estimativa era de que havia cerca de 300 pessoas acampadas no Quartel-General do Exército. Caravanas financiadas por empresários e diversos apoiadores de Bolsonaro começaram a chegar a Brasília, desembarcando cerca de 3 mil manifestantes, como indicam relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Apagão na segurança
A escalada da violência contou com a atuação de grupos paramilitares. A Abin, por exemplo, levantou a participação no planejamento e execução dos atos extremistas dos chamados “boinas vermelhas” ou “paraquedistas”, grupo formado por militares da reserva das brigadas de infantaria paraquedista do Exército.
O estudo ‘Política entre os Policiais Militares, Civis e Federais do Brasil’ revela um crescimento de 30%, entre 2020 e 2021, em relação aos servidores da força de segurança que interagiam em “ambientes bolsonaristas radicais”, como mapeou o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). O levantamento foi realizado com 651 profissionais de segurança nas redes sociais.
Na esfera local, o silêncio e a omissão tomaram a frente da preparação contra os ataques na Esplanada. A cúpula das forças de segurança do Distrito Federal teve acesso a diversas informações de inteligência que sugeriram as “intenções golpistas” do movimento e o “risco iminente da efetiva invasão às sedes dos Três Poderes”.
Apesar da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) alegar ter agido conforme planejamento conjunto com outros órgãos distritais e federais de segurança pública, as investigações apontam para omissão da cúpula da corporação, contribuindo para a invasão da Esplanada.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) informou que foi constatada uma “profunda contaminação ideológica de parte dos oficiais da Polícia Militar do DF que se mostrou adepta de teorias conspiratórias sobre fraudes eleitorais e de teorias golpistas”.
Investigações pós-ataques
Após os atos, os Poderes se juntaram para apurar e responsabilizar os envolvidos diretos. A Operação Lesa Pátria, da Polícia Federal, e as comissões parlamentares de inquérito, tanto do Congresso como da Câmara Legislativa do DF, marcaram as iniciativas em busca dessa restauração, junto aos inquéritos encabeçados pelo Supremo Tribunal Federal.