BRASIL PARALELO
A Justiça Federal condenou o humorista Leo Lins a oito anos e três meses de prisão em regime fechado por ter feito piadas em uma de suas apresentações de stand-up comedy. Além disso, ele terá de pagar multa no valor de 1.170 salários mínimos (à época dos fatos) e uma indenização de R$303,6 mil por danos morais coletivos. A condenação ocorreu em primeira instância, o que significa que cabe recurso.
- Danos morais coletivos ocorrem quando se conclui que um grupo ou uma comunidade inteira é ofendido em seus valores ou dignidade, mesmo que não se identifique cada pessoa atingida. São causados por atitudes discriminatórias, preconceituosas ou que ferem direitos fundamentais de forma ampla.
A decisão foi proferida pela 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, que acatou denúncia do Ministério Público Federal.
Segundo a sentença, Lins disseminou conteúdos considerados discriminatórios em seu espetáculo de stand-up intitulado Perturbador, gravado em 2022 e publicado no YouTube.
A peça inclui piadas e comentários ofensivos direcionados a negros, idosos, obesos, homossexuais, indígenas, nordestinos, pessoas com deficiência, portadores de HIV, judeus e evangélicos.
Quando a publicação foi retirada do ar por ordem judicial, em agosto de 2023, o vídeo ultrapassava 3 milhões de visualizações na plataforma.
Tribunal agravou a pena pela divulgação online
Entre os elementos que agravaram a pena, o tribunal apontou a divulgação online do conteúdo — que amplia o alcance das falas — e o grande número de grupos sociais atingidos. Também pesou o fato de os comentários terem sido feitos em contexto de entretenimento, o que a sentença define como uma tentativa de normalizar a violência simbólica por meio do chamado “racismo recreativo”.
O Ministério Público argumentou que, durante a apresentação, Lins reconheceu o teor ofensivo de suas piadas e demonstrou indiferença diante do potencial dano às vítimas, mesmo ciente das possíveis consequências legais.
Na sentença, a juíza responsável foi enfática: a liberdade de expressão não é irrestrita nem pode ser usada como escudo para ofensas.
“Atividades artísticas não autorizam a prática de crimes, e o discurso de ódio não encontra proteção constitucional”.
Também contestou a ideia de um direito absoluto à livre manifestação:
“O exercício da liberdade de expressão não é absoluto nem ilimitado, devendo se dar em um campo de tolerância e expondo-se às restrições que emergem da própria lei. Se houver colisões com outros direitos fundamentais, deve ser interpretado, sopesado e balanceado segundo as condições fáticas e jurídicas do caso concreto para, ao final, decidir qual deve prevalecer.”
Na página 17 do documento, a Dra. Barbara Isepi é categórica:
“No caso de confronto entre o preceito fundamental de liberdade de expressão e os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica, devem prevalecer estes últimos” — tese respaldada por decisões reiteradas do Supremo Tribunal Federal ao longo das últimas duas décadas.
O processo foi inicialmente conduzido pela Justiça estadual, mas passou à esfera federal em abril de 2024, após decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. Na ocasião, o MPF ratificou a acusação e deu prosseguimento à ação penal.
Leo Lins considerou absurda a própria acusação da qual é vítima
Em depoimento à Justiça Federal, o humorista Leo Lins negou que tenha cometido qualquer crime com o conteúdo de seu show Perturbador, publicado no YouTube em 2022. Entende que não praticou nenhum crime”. Para ele, o crime previsto no artigo 20 da Lei do Racismo “é praticado, por exemplo, quando pessoas dão declarações abertas de que são contra grupos minoritários.” Relatou que, ao final da apresentação, as primeiras pessoas que levantaram para aplaudi-lo eram negras.
De acordo com a sentença, ao prestar depoimento, Leo Lins considerou absurda a própria acusação da qual é vítima Em depoimento à Justiça Federal, o humorista negou que tenha cometido qualquer crime com o conteúdo de seu show Perturbador, publicado no YouTube em 2022: Entende que não praticou nenhum crime”.
Para ele, o crime previsto no artigo 20 da Lei do Racismo “é praticado, por exemplo, quando pessoas dão declarações abertas de que são contra grupos minoritários.” Relatou que, ao final da apresentação, as primeiras pessoas que levantaram para aplaudi-lo eram negras.
Leo Lins enfatizou que humor é capaz de aliviar a dor
Consta na sentença que, ao prestar depoimento, o comediante “LEONARDO respondeu “Ao final [da apresentação] dá uma desmontada e tem uma conversa com a plateia deixando claro a distinção do ambiente teatral.”
Para o humorista, “o humor alivia a dor, seja ela qual for. Uma piada pode aliviar a dor opcional de uma pessoa, que não pode ser justificativa para impedir o sorriso de outra. Seu intuito é fazer o público rir. Se não rirem, ou edita a piada ou tira do show”.
Segundo ele, o que o mantém seguindo em frente é o público:
“É muito gratificante receber relatos de que suas piadas salvaram a vida de alguém, por exemplo.”
Defendeu também que temas como “racismo, gordofobia, gênero, sotaque” integram seu show por serem “temas contemporâneos”. Para ele, o humor tem o papel de “pegar tópicos relevantes na sociedade e tratar isso sob a ótica do humor”. Ressaltou ainda que o cartaz do espetáculo carrega simbolismo, e argumentou que tais assuntos “podem ser debatidos e podem ser feitos piadas, desde que bem construídas atinjam seu objeto de fazer dar risada”.
Acesso a canal de humor é escolha do público
Sobre a veiculação do conteúdo na internet, afirmou que o vídeo foi publicado “em um canal que é de humor, sua página é de humor e quem entra ali quer.
“Quem não quiser, pode bloquear, não assiste. Nem que queira conseguirá fazer seu conteúdo chegar a alguém que não quer.”
Durante o processo, declarou não conhecer o vídeo que embasa a acusação e que “não sabe dizer exatamente quanto tempo de duração tinha seu vídeo original”.
Em sua avaliação, suas falas não têm caráter depreciativo: “Nunca tive notícias de que alguém tenha sido incentivado a cometer ato preconceituoso após ver o meu show”, declarou.
Pelo contrário: “muitos PCDs, autistas, cadeirantes, pessoas que sofreram AVC frequentam o meu show”. Lins explicou ainda a estrutura típica de uma piada de stand-up: “O stand-up é o preparo, baseado na realidade, e o punchline é uma distorção, um absurdo onde usam
figuras de linguagem para falar absurdos e criar contextos que geram risada no público.”
“Piada é no palco”, enfatizou Leo Lins
Criticou também a forma como sua fala foi representada no processo, alegando que trechos cruciais foram suprimidos.
“Tem uma parte em que fala ‘mas graças a Deus acabou, a escravidão, esse tipo de coisa’ e essa parte foi especificamente removida da denúncia.”
Ainda segundo ele, a parte mais séria do show — onde fala sobre preconceitos — “consta do YouTube no vídeo original, mas não foi transcrita na denúncia, o que para ele parece que a acusação ‘pinçou algumas coisas’”.
Reforçou ainda que sua intenção nunca foi incentivar práticas preconceituosas: “Não quer que alguém se machuque por sua causa.” Comparando sua situação a de um ator, afirmou:
“Se a pessoa assiste Tropa de Elite e sai com vontade de dar um tapa na cara de alguém, quem tem que ser punida é essa pessoa e não o ator Wagner Moura.”
E concluiu: “Quem é mais sensível ou tiver gatilhos com alguns temas, espera que entenda que esse show não é para ela.”
Ao relatar episódios com o público, mencionou que uma moça com nanismo subiu espontaneamente ao palco para que ele fizesse piadas. “Depois do show ela inclusive ficou para lhe agradecer.”
E completou: “Nas pp. 14/19, também são pessoas que subiram no palco para que ele fizesse piadas de forma espontânea em shows, são todas pessoas com alguma deficiência.”
Lins também destacou ações inclusivas em seus espetáculos:
“Já levou intérprete de libras a seu show, não sabe se outro comediante já fez isso.”
E reforçou que “não reproduz piadas e conteúdos de seu show em sua vida cotidiana”.
Para ele, “piada é no palco. Se está andando na rua e vê uma anã, não vai fazer piada, ou no mercado e vê uma pessoa com sobrepeso, não está no ambiente para isso e ela não está ali para isso.” A defesa técnica reforçou que “as piadas realizadas no palco do teatro, e cujo alegado vídeo reproduziria esse show, no ambiente do YouTube, não têm o intuito de ofender, discriminar ou incitar preconceito contra minorias”. Ao contrário, afirmam que “tais piadas proporcionam um ponto de vista diferente às pessoas, fazendo-as se sentirem incluídas”.
A sentença de condenação foi proferida no fim de maio, mas a defesa já indicou que vai recorrer. comediante “LEONARDO respondeu ser falsa a acusação, a qual reputa bem absurda. Disse estar claro que o ambiente é fictício, que se trata de um personagem no palco.”
Também alegou que o espetáculo está inserido no contexto do humor e que jamais teve a intenção de ofender ou incentivar discriminação:
“Ao final [da apresentação] dá uma desmontada e tem uma conversa com a plateia deixando claro a distinção do ambiente teatral.”
Humorista disse que “em canal de humor entra quem quer”
Defendeu também que temas como “racismo, gordofobia, gênero, sotaque” integram seu show por serem “temas contemporâneos”. Para ele, o humor tem o papel de “pegar tópicos relevantes na sociedade e tratar isso sob a ótica do humor”.
Ressaltou ainda que tais assuntos “podem ser debatidos e podem ser feitos piadas, desde que bem construídas atinjam seu objeto de fazer dar risada”.
Sobre a veiculação do conteúdo na internet, afirmou que o vídeo foi publicado “em um canal que é de humor, sua página é de humor e quem entra ali quer. Quem não quiser, pode bloquear, não assiste. Nem que queira conseguirá fazer seu conteúdo chegar a alguém que não quer.”
Durante o processo, declarou não conhecer o vídeo que embasa a acusação e que “não sabe dizer exatamente quanto tempo de duração tinha seu vídeo original”. Em sua avaliação, suas falas não têm caráter depreciativo:
“Nunca tive notícias de que alguém tenha sido incentivado a cometer ato preconceituoso após ver o meu show”, declarou. Pelo contrário: “muitos PCDs, autistas, cadeirantes, pessoas que sofreram AVC frequentam o meu show”.
Na ação, Lins também explicou ainda a estrutura típica de uma piada de stand-up:
“O stand-up é o preparo, baseado na realidade, e o punchline é uma distorção, um absurdo onde usam figuras de linguagem para falar absurdos e criar contextos que geram risada no público.”
Criticou também a forma como sua fala foi representada no processo, alegando que trechos cruciais foram suprimidos.
“Tem uma parte em que fala ‘mas graças a Deus acabou, a escravidão, esse tipo de coisa’ e essa parte foi especificamente removida da denúncia.”
A defesa técnica reforçou que “as piadas realizadas no palco do teatro, e cujo alegado vídeo reproduziria esse show, no ambiente do YouTube, não têm o intuito de ofender, discriminar ou incitar preconceito contra minorias”. Ao contrário, afirmam que “tais piadas proporcionam um ponto de vista diferente às pessoas, fazendo-as se sentirem incluídas”.
A sentença de condenação foi proferida no fim de maio, mas os representantes do humorista já indicaram que irão recorrer.
Defesa ressalta desproporcionalidade da pena
A defesa do comediante afirmou que se trata de um triste episódio de capítulo para a liberdade de expressão no Brasil e equipara o episódio à censura. Também ressaltam que a pena equivale às aplicadas crimes como tráfico de drogas, corrupção ou homicídio:
“Quem julga uma piada é o público, não o direito, jamais o judiciário”, diz André Marsiglia.
Um dos principais especialistas em liberdade de expressão do país, o advogado André Marsiglia, se manifestou nas redes sociais com críticas contundentes à condenação de Leo Lins. “O Brasil é o único país do mundo onde o humor é levado a sério”, escreveu, em tom irônico. Para Marsiglia, piada é uma forma de discurso ficcional — equiparável à arte — e, por isso, não deve ser subjugada ao crivo de quem se ofende com ela. “Condenar um humorista a oito anos de prisão é censura. Uma vergonha para a democracia.”
Na sua análise, Marsiglia distingue a ofensa subjetiva de quem ouve a piada da intenção objetiva de quem a profere, alertando para o risco institucional: “A liberdade de expressão é um direito objetivo e coletivo, e não pode se curvar à proteção individual de quem subjetivamente se sente ferido em sua dignidade. Quem julga uma piada é o público — jamais o Judiciário.”
Conheça o histórico de processos de Leo Lins sobre liberdade de expressão
A recente condenaçãodo humorista a mais de 8 anos de prisão por falas preconceituosas em seu show “Perturbador” não foi um episódio isolado — apenas o mais duro desfecho de uma trajetória marcada por batalhas judiciais envolvendo liberdade de expressão, humor e responsabilidade social.
Mesmo antes da repercussão nacional do espetáculo que motivou sua pena de reclusão, o humorista já acumulava um histórico de ações judiciais por piadas.
2024: condenação por ofensa à comunidade surda
Em agosto de 2024, a Justiça de Sergipe condenou Leo Lins ao pagamento de R$100 mil por danos morais coletivos. A sentença teve como base declarações feitas em uma apresentação de stand-up que ironizava a comunidade surda. A decisão também proibiu que o comediante repetisse conteúdos semelhantes em futuros espetáculos, reforçando os limites impostos ao seu repertório.
2023: Leo é alvo de sanções digitais
Setembro de 2023 marcou outro capítulo emblemático. o comediante tornou-se réu em um processo criminal por piadas direcionadas a grupos considerados minoritários. Em resposta ao descumprimento de decisões judiciais, ele teve suas contas no YouTube e TikTok suspensas por 90 dias e viu R$300 mil bloqueados de suas contas bancárias. O processo corre sob sigilo, mas as medidas judiciais demonstram a gravidade das acusações.
2021: uso indevido de imagem de uma mulher transexual
Dois anos antes, em 2021, o Tribunal de Justiça de São Paulo condenou o humorista a indenizar uma mulher transexual por uso indevido de imagem em uma de suas apresentações. A sentença, da 4ª Câmara de Direito Privado, reconheceu a violação da dignidade e da imagem da vítima.
2022: representação por piada com criança com hidrocefalia
Em julho de 2022, a seccional da OAB do Ceará apresentou uma representação ao Ministério Público contra o humorista. O motivo: uma piada envolvendo uma criança com hidrocefalia, considerada ofensiva. A ação também corre em segredo de justiça, mas reforça a constante vigilância jurídica sobre o conteúdo promovido pelo humorista.
Leia, abaixo, o comunicado da defesa na íntegra:
“A defesa do humorista Leo Lins recebeu, na presente data, com grande surpresa, a publicação da sentença que lhe impôs pena de 8 anos, 3 meses e 9 dias de reclusão, em regime fechado, além do pagamento de R$303.600,00 a título de danos morais coletivos. Trata-se de um triste capítulo para a liberdade de expressão no Brasil, diante de uma condenação equiparada à censura. Ver um humorista condenado a sanções equivalentes às aplicadas a crimes como tráfico de drogas, corrupção ou homicídio, por supostas piadas contadas em palco, causa-nos profunda preocupação. Apesar desse episódio, mantemos plena confiança no Poder Judiciário nacional, que tantas vezes tem sido acionado para garantir direitos liberdades individuais. A defesa informa que interporá o competente recurso de apelação e confia em que essa injustiça será reparada em segunda instância.“