A morte de Gerson de Melo Machado, de 19 anos, conhecido como Vaqueirinho em João Pessoa (PB), chocou o pais neste dia 30 de novembro, não apenas pela cena trágica envolvendo uma leoa, mas pela história silenciosa de abandono que antecedeu o episódio. Muito antes de escalar uma parede de seis metros, usar uma árvore como apoio e ultrapassar a grade de segurança do recinto onde o animal estava, Gerson já lutava contra um inimigo muito mais feroz: a esquizofrenia não tratada e a falta de acolhimento social.
O salto para dentro da jaula não foi o início de sua tragédia, foi apenas o último capítulo de uma dor que ninguém viu, ou que muitos preferiram ignorar. Vaqueirinho cresceu entre crises, passagens por delegacias, idas e vindas no CAPS, que jamais conseguiu oferecer o atendimento contínuo e especializado que sua condição exigia. Ele pedia ajuda, e sua doença gritava por ele. Mas ninguém ouviu. Ou, se ouviu, fechou os olhos.
A morte do jovem não é um espetáculo, não é um vídeo para viralizar e tampouco um motivo para piadas. É um espelho doloroso de como tratamos, ou deixamos de tratar a saúde mental no Brasil. A esquizofrenia de Gerson não era fraqueza, não era “manha”, não era rebeldia. Era uma ferida aberta que nunca recebeu a cura necessária. E enquanto a sociedade insistir em fingir que transtornos mentais não existem, outras vidas caminharão pelo mesmo portão sem volta.
Especialistas alertam que casos como o de Gerson são fruto de um sistema que ainda negligencia a saúde mental: faltam profissionais, falta estrutura, faltam políticas públicas que acompanhem pacientes de forma contínua e humanizada. Faltam, sobretudo, olhos atentos e mãos estendidas para quem vive em sofrimento psíquico severo.
“O que mata não é a fera. É o silêncio”, desabafou uma uma conselheira tutelar que acompanhava o jovem, ao lamentar a falta de acolhimento que poderia ter evitado o desfecho fatal.
Em cidades pequenas como Brasileia e Epitaciolândia, a situação não é diferente. Sabemos que há pessoas vivendo com transtornos mentais graves sem acompanhamento adequado, muitas vezes expostas a riscos, vulnerabilidade e abandono. A população cobra que autoridades locais tratem a saúde mental como prioridade urgente, não como favor ou luxo, mas como sobrevivência.
A morte de Gerson de Melo Machado deveria servir como alerta definitivo: quando o cuidado falha, quando o Estado se ausenta e quando a sociedade vira o rosto, não é a fera que mata. É a indiferença. É o silêncio que engole vidas inteiras antes que alguém estenda a mão.

